26 julho 2011

Série - Um Chamado ao Amor

Os Quatro Passos para Melhorar o Acolhimento da Igreja

 


 

 O acolhimento sempre foi uma marca essencial da Igreja de Cristo. Desde os primeiros dias da Igreja primitiva, os cristãos eram conhecidos por sua disposição em repartir o pão, abrir suas casas, estender a mão aos necessitados e viver em comunhão verdadeira. A mesa era compartilhada com amor, os famintos eram alimentados, os doentes cuidados, os solitários abraçados. Essa postura era tão marcante que causava admiração e até inveja entre os governantes da época, que não conseguiam reproduzir a mesma hospitalidade e solidariedade. A Igreja foi reconhecida como uma comunidade de amor, a ponto de sacerdotes de Jerusalém, ao ouvirem sobre o comportamento compassivo dos cristãos, se renderem à fé (At 6.7).

Essa herança não se limita aos primeiros dias da Igreja. Ao longo da história, a comunidade eclesiástica manteve essa vocação acolhedora. O apóstolo Paulo liderou campanhas de arrecadação para socorrer igrejas em necessidade. Em suas cartas, vemos o louvor à generosidade de irmãos e igrejas inteiras que se entregavam ao serviço mútuo. Durante a Reforma Protestante, Lutero dedicou atenção especial à assistência aos pobres, chegando a escrever estatutos que regulamentavam esse tipo de ajuda como elemento indispensável à vida civil e eclesiástica. Mais adiante, Calvino transformou Genebra em uma cidade-refúgio, onde os diáconos atuavam com vigor no cuidado aos refugiados, marginalizados e sofredores.

Diante disso, é inaceitável que a Igreja contemporânea negligencie o acolhimento. A diaconia é, ao mesmo tempo, um chamado bíblico, teológico e doutrinário. Como temos afirmado ao longo deste livro, o acolhimento é inseparável da fé cristã, pois em Cristo temos o maior exemplo de compaixão e cuidado com os necessitados. Por isso, o ministério diaconal precisa se levantar com força e convicção nos nossos dias, para resgatar essa identidade e oferecer ao mundo um testemunho vivo de que Jesus ainda acolhe por meio de sua Igreja.

Se a diaconia do acolhimento é um chamado urgente para os nossos dias, então é necessário pensar em passos concretos que levem a Igreja a reencontrar essa vocação.

  

O primeiro passo é a conscientização.

 Antes de qualquer ação externa, a Igreja precisa ser despertada internamente. O coração precisa ser instruído e inflamado pela Palavra, para que a prática não seja apenas ativismo, mas fruto de obediência e amor.

O ministério diaconal, juntamente com a liderança pastoral, pode propor momentos de estudo, reflexão e oração sobre o papel da Igreja no mundo. Um ciclo de pregações, uma sala de EBD (Escola Bíblica Dominical), uma série de devocionais, encontros em pequenos grupos ou assembleias reflexivas — tudo isso pode servir para despertar a comunidade local para a vocação de olhar para fora, acolher, servir e testemunhar. O objetivo é claro: romper o paradigma da fé voltada apenas para dentro e reacender a visão de uma Igreja que ama seus vizinhos como expressão do amor de Cristo.

Esse processo de conscientização também passa por um conhecimento real e honesto da comunidade ao redor da igreja. Quem são os nossos vizinhos? Como vivem? Quais são suas dores, suas buscas, seus medos? Quais são os dados sociais e demográficos do bairro? Qual é a faixa etária predominante, a religião mais presente, o nível de escolaridade, as carências mais evidentes? Ter essa leitura contextual é essencial para que o acolhimento seja sensível, intencional e relevante.

Uma Igreja que conhece a sua vizinhança tem mais condições de incluir essa comunidade em sua liturgia, em sua vida e em sua comunhão. Os cultos dominicais devem ser pensados também como momentos de acolhimento, onde os de fora possam encontrar abrigo, palavra, consolo e direção. Isso começa com um novo olhar: o de quem vê além das paredes do templo e reconhece que o campo missionário começa na porta de entrada da igreja.

  

O segundo passo é ouvir a comunidade.

 Outro aspecto fundamental para que a igreja acolha melhor sua vizinhança é a disposição de ouvir a comunidade. Para que o acolhimento seja autêntico e eficaz, é necessário saber como a Igreja é percebida por aqueles que estão ao seu redor. Isso exige humildade e disposição para fazer uma autocrítica honesta: como nossa igreja é vista pelo bairro? Somos reconhecidos como presença de paz, de serviço, de esperança? Ou somos apenas mais um prédio na rua — indiferente, fechado, talvez até inconveniente?

É importante criar mecanismos de escuta, como pesquisas simples, entrevistas informais, rodas de conversa ou eventos abertos que promovam diálogo com os vizinhos. Ouvir a comunidade não significa submeter a Igreja à cultura ou relativizar o evangelho, mas reconhecer que há aspectos da nossa presença que podem e devem ser ajustados em amor.

Talvez surjam observações práticas e legítimas: uma iluminação externa que poderia ajudar na segurança local; uma fachada pouco acolhedora ou malcuidada, que transmite afastamento em vez de acolhimento; o uso do estacionamento que incomoda moradores; ou, ainda, o fato de o prédio ficar fechado durante toda a semana, sem nenhuma ação voltada para as necessidades reais do bairro. Cada uma dessas observações pode ser uma oportunidade para demonstrar cuidado, atenção e serviço.

Ao ouvir com respeito e sensibilidade, a Igreja dá um passo importante para estreitar laços com a comunidade e reconstruir pontes que, por vezes, foram desgastadas. O acolhimento começa com o olhar, mas floresce com a escuta. E quando escutamos com o coração aberto, somos também moldados para amar melhor.

 

O terceiro passo é da humildade.

 Além de ouvir a comunidade, é necessário cultivar a humildade de reconhecer que talvez a Igreja não seja, hoje, uma presença relevante no bairro onde está inserida. Em muitos casos, a Igreja não é lembrada, não é procurada, nem sequer é considerada parte da vida comunitária. Essa constatação é séria, pois fere diretamente a missão da Igreja, que é ser sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13–16). A irrelevância e o esquecimento são sinais de que algo precisa ser revisto com urgência.

Para reconstruir essa presença e tornar-se novamente visível de maneira significativa, a Igreja pode iniciar programas simples de acolhimento e aproximação. Cursos de nutrição, oficinas de artes, atividades esportivas, aulas de reforço escolar ou de línguas estrangeiras, apoio à educação de crianças e adolescentes — tudo isso pode ser oferecido de forma acessível à comunidade, como expressão prática do amor cristão.

Outra estratégia é incluir a comunidade nas programações regulares da Igreja. Encontros de homens e mulheres, eventos com jovens, almoços comunitários, celebrações de datas comemorativas como Natal e Páscoa, ou mesmo a participação em festas de bairro, podem se tornar oportunidades valiosas para acolher, estreitar laços e testemunhar a fé. Ao fazer isso, a Igreja comunica que está viva, aberta, presente — e que é diferente, não por causa de si mesma, mas porque carrega consigo o nome e a mensagem de Jesus Cristo.

 

O quarto passo é da sensibilidade.

 Outro aspecto indispensável no acolhimento cristão é a sensibilidade ao sofrimento humano. Vivemos em um mundo marcado por dores profundas: pessoas sofrem em silêncio por não serem ouvidas, padecem de solidão, enfrentam a indiferença, carregam feridas causadas por preconceitos e discriminações. Muitos vivem o luto de entes queridos, outros enfrentam doenças emocionais como depressão, ansiedade, síndrome do pânico, burnout, além de diversos transtornos psíquicos e sociais que desestruturam a alma.

A Igreja precisa estar atenta a essas dores. O exemplo de Jesus é nosso referencial máximo: Ele curou os enfermos, restaurou os perturbados, alimentou os famintos, acolheu os marginalizados, tocou os intocáveis. Em cada encontro, Ele ofereceu mais do que palavras — ofereceu presença, compaixão e cuidado. A Igreja que carrega o nome de Cristo precisa, também, ter espaço e disposição para acolher os que sofrem.

Esse chamado passa diretamente pelo ministério diaconal, que tem como uma de suas vocações fundamentais abraçar os abatidos e prover cuidado aos necessitados. A igreja local precisa criar canais de escuta para aqueles que não têm com quem falar, canais de assistência para os que enfrentam carência material, e canais de direção e alento para os que se sentem perdidos. A diaconia precisa ser esse espaço seguro onde a dor encontra resposta, onde o sofrimento é levado a sério, e onde a compaixão se traduz em presença, ajuda e amor.

A igreja acolhedora é aquela que se parece com Jesus. E o ministério diaconal é o braço estendido dessa semelhança.


                                                            Trecho do livro Uma Chamada ao Amor: A Diaconia na Cosmovisão Reformada
                                                                                                                pr Alexandre Oliveira